Madrugada

Alta madrugada, quase de manhãzinha. Estou sozinha agora, no silêncio do sono de meus filhos. Posso pensar com lucidez sobre problemas triviais, sobre dúvidas que me afligem, sobre o que fazer da vida. Assim, simplesmente, sem explicação. De madrugada dispo a máscara e a armadura que me protegem durante os dias tumultuosos e as noites agitadas. Sou eu, frágil como um bebê, somente, em face aos meus pensamentos. Posso abrir a janela do meu quarto e aspirar com prazer o suave odor da noite. Ele me invade como uma ducha lavando minha alma de todos os medos, angústias, tristezas, rancores... Sinto-me nova outra vez. Mentalmente repasso o que vem pela frente, quando o sol surgir para mais um dia, mas sem a tensão do dia. É somente uma constatação. Sinto a luz da lua e das estrelas me vestindo e banhando de prata, um frio vestido, mas belo. Saio de minha contemplação, mais uma noite insone, para cobrir meus filhos, observar seu sono, confiante nos seus poucos anos de vida. Olhando para eles, relembro com espanto que já tive menos de vinte anos, com a coragem de vencer o mundo, somente com a minha convicção de onipotência. Rio silenciosamente e beijo de leve as faces macias de meus filhos, com a ternura que a noite e a solidão me devolvem. Logo mais, isto será impossível. Minha paz é perturbada pelo céu que se acinzenta e vai, aos poucos azulando. Logo o sol chegará. Onde deixei minha máscara? Preciso voltar à dureza do dia-a-dia. Entro para o banho, mais um dia começa.